Conheça os bruxos de São João de Meriti que viralizaram na internet
RIO — Bruxas habitam o imaginário popular desde o começo do mundo com suas roupas pretas, gatos pretos e vassouras voadoras. Alana Morgana, de 66 anos, atende a todas características das bruxas clássicas que, na Idade Média, foram caçadas e queimadas em fogueiras:
— Sou bruxa e gosto de ser chamada de bruxa. Uso preto, tenho gatos pretos e sou roqueira. Faz parte do meu marketing — conta com orgulho enquanto mexe no cordão de pentagrama no templo Wicca que construiu sobre a casa onde vive em São João de Meriti:
— Na Baixada Fluminense é assim. Se quer aumentar a propriedade, constrói em cima.
A relação com o ocultismo da bruxa nascida e criada em Meriti vem de berço: o avô praticava quiromancia (leitura de mãos), despertando o interesse da neta pela magia. Antes de dedicar-se à bruxaria, entretanto, Alana estudou Ciências Sociais na Uerj, mas não completou o curso por causa do regime militar. Mais tarde, ela se formou em História.
— Bruxo deve ter conhecimento interior. A maioria dos wiccanos possui ensino superior completo ou são autodidatas — esclarece.
Esta é a primeira vez em 30 anos que Alana e seus seguidores enfrentam represálias tão severas por serem bruxos. O pesadelo começou após boatos nas redes sociais atribuírem ao grupo wiccano Tradição Athena Pronaia, fundado em 2005, a culpa pelo suposto desaparecimento e sacrifício de crianças para rituais satânicos.
Alana denunciou as ameaças de morte recebidas por telefonemas, redes sociais e da vizinhança na 64ª DP de Vilar dos Teles. O caso deve ser encaminhado para a Delegacia de Repressão a Crimes de Informática; ele está sendo acompanhado pela Secretaria de Direitos Humanos e a Coordenadoria de Promoção da Liberdade Religiiosa.
Antes das notícias falsas se propagarem, a única preocupação na vizinhança tomada por igrejas evangélicas era uma mulher que colocava óleo ungido no portão de sua casa e a chamava de "do diabo".
— Wiccas sequer acreditam no Satanás — diz Kaluanã Pronaia, de 51 anos. Seguidora fiel de Alana "minha senhora" Morgana, Kaluanã passeou do catolicismo ao umbanda até chegar na religião Wicca há oito anos. Ela também estava no vídeo que viralizou no Facebook no início deste mês. Vestidos com capas pretas, os membros do coven Corvos Courax fazem uma oferenda à deusa Hécate na madrugada. Um horário, segundo deles, propício para se conectar com a natureza.
Três covens — grupos de até 13 bruxos que se reúnem para celebrar os deuses wiccas — formam a Tradição Athena Pronaia: as Corujas Lunares, os Raízes da Terra e os recentemente expostos Corvos Courax. Juntos eles somam 23 integrantes e todos possuem símbolo da Tradição tatuado na nuca. A maioria conheceu Alana através da internet após ela ganhar visibilidade com colaborações em sites e revistas de ocultismo.
Embora seja a diretora da Escola de Artes Mágikas e Divinatórias, a principal fonte de renda de Morgana vem das consultas realizadas durante a semana. O preço varia de acordo com o trabalho a ser realizado: pode ser leitura de cartas, oráculos, runas e outros. Trazer sorte no amor e sucesso no carreira são as causas pelas quais é mais procurada. Em caso de cura de doenças, o serviço sai de graça.
Atualmente, a escola fundada em 1984 conta com 20 alunos e não cobra mensalidade para o estudo da religião Wicca — obrigatório para quem quer seguir a religião das bruxas ligadas às forças da natureza. Após a formação, que dura um ano e um dia, a dedicação wiccana é integral:
— Sou bruxa não por 24, mas 25 horas por dia. Se me procuram de madrugada com dor no estômago, por exemplo, tenho a obrigação de atender o pedido. Servir à grande deusa vem em primeiro lugar — explica Kaluanã, que é costureira de vestes pagãs.
Com exceção de Alana e Kaluanã, cujas profissões estão ligadas à religiosidade, os outros membros da Tradição são enfermeiros, funcionários públicos, DJs, donas de casa, produtores de teatro, designers e até militares. Magnus Pronaia, de 28 anos, é consultor gastronômico e afirma que, embora a religião Wicca seja rodeada de mistérios, seus seguidores são indivíduos normais:
— Vestindo preto e com tatuagens... Somos pessoas como qualquer outra. Gostamos de sair nos finais de semana para ir à shows, cinema e nos encontrar com os amigos para beber — diz ele.