quinta-feira, 12 de setembro de 2013

srinmati Radharani:genero,Divinidade e amor forma de Deusa Dourada

Srimati Radharani: Gênero, Divindade e Amor na Forma da Deusa Dourada

11 01 | Radhastami
Maha Krishna Nama Dasa
No oitavo dia da Lua nova (asthami) do mês de Hrishikesha (agosto-setembro), comemora-se o dia transcendental de Radhastami no calendário vaishnava.
Alguns curiosos e um tanto ressabiados, ao verem uma belíssima pintura do Senhor Krishna com uma estonteante figura feminina ao Seu lado, logo se põem a inquirir: “Quem é essa mocinha que está ao lado de Krishna?”. Seu nome é Srimati Radharani, e a data de Radhastami marca o Seu aparecimento nos passatempos terrestres do Senhor Krishna, a Suprema Personalidade de Deus.
A seguinte pergunta feita por nosso curioso visitante poderia ser a de quem é Srimati Radharani, pergunta esta que será um dos fios condutores desta pesquisa, juntamente com outra intrigante questão: Já que vemos Radha e Krishna na pintura, qual será o gênero de Deus? De acordo com a teologia dos Vedas, será Ele masculino ou feminino, homem ou mulher?
Na tradição judaico-cristã, é comum a preponderância das referências a Deus em ambos o velho e o novo testamentos em um contexto de figura masculina, sendo frequentemente citado como “pai”, ao passo que teólogos contemporâneos, motivados pela teologia feminista, inovam em utilizar uma linguagem feminina para se referir a Deus[1]. No Islão, Deus é estritamente singular (tawhid), único (wahid) e inerentemente Um (ahad), e, inferindo a partir dos 99 nomes de Alá, provenientes de Seus atributos, é um ser masculino.
Nos movimentos neo-pagãos, onde se cultuam a Deusa Mãe protetora, altiva, fecundadora e fértil; muitos de tais grupos advogam um suposto retorno às antigas tradições banidas pelo “machismo” religioso patriarcal que assolou o Ocidente nos últimos séculos.
Na Índia, a mentalidade dos shaktas, ou os adoradores da Deusa, é exposta da seguinte maneira por Bhaktivinoda Thakura em seu Jaiva-dharma: “Ó Mãe Kali, quem, nos três mundos, pode sondar teus passatempos? Às vezes, assumes a forma de um homem, outras, de uma mulher, e às vezes lutas ferozmente numa batalha. Como o Senhor Brahma, crias o universo, como o Senhor Shiva, tu o destróis, e, como o Senhor Vishnu, permeias o universo e manténs todas as entidades vivas…”. (BHAKTIVINODA, 2010, p. 258-259).
Os textos que concluem todo o conhecimento védico, como o Bhagavad-gita e o Srimad-Bhagavatam, apontam Sri Krishna como sendo a divindade suprema e causa de todas as outras causas[2], sendo tal afirmação aceita pelos sábios, tais como o Senhor Brahma, Shiva, Kapila e Prahlada Maharaja, assim como por autoridades eminentes mais recentes, a saber, Ramanuja, Madhva, Rupa e Sanatana, Bhaktivinoda Thakura, Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati e, atualmente, A.C. Bhaktivedanta Svami Prabhupada.
Krishna é descrito como possuidor de multifárias energias[3], e tais energias funcionam de acordo com Sua própria vontade (Bg. 9.4-8), da mesma forma como, em uma grande orquestra sinfônica, onde cada músico atua de acordo com a batuta experiente do maestro regente, toda a manifestação se move e se mantém de acordo com o desejo de Krishna.
Dessa forma, a Suprema Personalidade de Deus é aceito juntamente com Suas energias. Krishna quer dizer a pessoa suprema e Suas energias, as quais se encontram no mesmo nível que Ele. Assim como um rei sempre é acompanhado por todo o seu séquito, ou como a palavra marido aplicada a um homem só tem sentido se ele é acompanhado por uma mulher – neste caso, sua esposa –, Krishna sempre está acompanhado de Suas energias: shaktimam shakti.
Essas potências multifárias, ou seja, toda a substância (vastu) de que é feita a realidade total, aparecem em três diferentes fases, antaranga—cic-chakti, tatastha—jiva-shakti bahiranga—maya,—tine kare prema-bhakti: “Além disso, a potência espiritual da Suprema Personalidade de Deus aparece em três fases – interna, marginal e externa –, as quais se ocupam todas em Seu serviço devocional amoroso”. (Chaitanya-charitamritaMadhya 6.160)
Dessas três, bahiranga ou maya-shakti é a potência que cria este mundo material. Jiva ou tatasthasomos nós, almas espirituais, as quais tentam explorar os recursos desta energia material inferior (Bhagavad-gita 7.5); porém, ambas as energias vêm da única realidade – do Uno supremo – substancial e eterna[4] que é o mundo espiritual compreendido como antaranga—cic-chakti ousvarupa-shakti.
O senhor possui uma forma feita de sac-cid-ananda (Brahma-samhita 5.1) – eternidade, conhecimento e bem-aventurança plenos –, e tais elementos compõem as três diferentes energias originais do mundo espiritual, a potência interna, as quais se refletem neste pervertido mundo material, como explica Prabhupada:
A Suprema Personalidade de Deus tem três classes de potência interna, a saber, a hladini, ou potência de prazer, a sandhini, ou potência existencial, e a samvit, ou potência cognitiva. No VishnuPurana (1.12.69), fala-se o seguinte ao Senhor: “Ó Senhor, sois o apoio de tudo. Os três atributoshladini, sandhini e samvit existem em Vós como uma só energia espiritual. Mas os modos materiais, que provocam felicidade, miséria e misturas de ambas, não existem em Vós, pois não tendes qualidades materiais (Chaitanya-charitamritaAdi 4.60).
Destas energias espirituais originais, Sua potência de prazer interno é conhecida como Srimati Radharani[5] (hladini-shakti). É essa energia que brota de Radha, que nutre Krishna e seus devotos com bem-aventurança nos passatempos de Vrindavana e o único elemento capaz de aproximar a alma (jiva) de Krishna, como explica Srila Jiva Gosvami em seu Priti-sandarbha:
Somente o serviço devocional pode levar alguém à Personalidade de Deus. Somente o serviço devocional pode ajudar o devoto a encontrar-se com o Senhor Supremo face a face. A Suprema Personalidade de Deus sente-Se atraído pelo serviço devocional, e, como tal, a supremacia final do conhecimento védico baseia-se em conhecer a ciência do serviço devocional (JIVA apudBHAKTIVEDANTA, Chaitanya-charitamritaAdi 4.60).
Sri Radhika é a personificação do amor e do prazer de Deus. Todo o amor puro e êxtase espiritual que tanto o jiva puro quanto Krishna desfrutam têm a forma de Radharani como fonte última. Quando a pessoa suprema quer desfrutar e sentir prazer; como Ele é a transcendência Absoluta, não existe a cogitação de Ele buscar felicidade em algo inferior e mundano. Assim, Ele expande de Si mesmo uma forma para tal propósito. Dessa maneira, Krishna expande de Seu próprio eu uma forma capaz de suprir prazer ilimitado para Ele que é o desfrutador supremo e ilimitado:
hladini-nama samprapta  saiva shaktih parakhyikamahabhavadisu sthitva  paramananda-dayinisarvorddha-bhava-sampanna  krishnarddha-rupa-dhariniradhika sattva-rupena  krishnananda-mayi kilamaha-bhava-svarupeyam  radha-krishna-vinodinisakhya asta-vidha bhava  hladinya rasa-posikahtat tad bhava-gata jiva  nityananda-parayanahsarvada jiva-sattayam  bhavanam vimala sthitih 
“Quando a potência espiritual da energia superior interage com o aspecto hladini, ele cria fixação até o estado de Mahabhava, no qual ela (hladini) concede o êxtase superior. Essa hladini é Sri Radhika. Ela é a energia do energético, possui os sentimentos amorosos mais elevados e é a metade da forma do Senhor Supremo. Ela Se expande em indescritíveis formas de Krishna de inconcebível felicidade. Radha dá prazer a Krishna. Ela é a personificação de Mahabhava. Há oito variedades de emoções que nutrem o rasa de hladini. Elas são conhecidas como as oito sakhis de Radha. Pela associação com devotos e a misericórdia do Senhor, a energia hladini das entidades vivas realiza uma pequena parte da hladini espiritual. Em seguida, as entidades vivas tornam-se eternamente felizes e atingem o estágio de sentimentos eternos e puros, permanecendo entidades individuais”. (Sri Krishna-samhita, Capítulo 2)
Essa eloquente descrição de Srila Bhaktivinoda Thakura aponta para a existência de Deus como sendo energia e energético juntos. Assim como o leite nunca é separado da vaca, ou assim como o efeito nunca pode ser destituído da causa, Deus significa energia e energético juntos, como quando nos referimos às divindades e primeiramente nomeamos a energia e depois o energético: Lakshmi-Narayana, Sita-Rama e, consequentemente, Radha-Krishna. A energia divina detentora de um aspecto feminino (prakriti), ou aquela que é predominada, e o energético, a pessoa Suprema (purusha), o predominador.
“Essa hladini é Sri Radhika. Ela é a energia do energético, possui os sentimentos amorosos mais elevados e é a metade da forma do Senhor Supremo”. (op cit) Então, Deus, de acordo com a teologia Bhagavata, é energia e energético juntos, e não uma energia amorfa e sem atributos, compreendendo uma transcendência abstrata e totalmente ininteligível. Ele é masculino e feminino associados, Ele é shaktiman-tattva shakti formando o conceito de Verdade Absoluta (bhagavan)[6]mais elevado nos Vedas.
Como Sri Krishna é o completo shaktiman-tattva, Srimati Radhika é Sua shakti completa. Ela pode ser chamada de svarupa-shakti completa. De maneira que Eles possam desempenhar e saborear Suas lilas, Srimati Radhika e Krishna estão eternamente separados, mas também são eternamente inseparáveis, como o almíscar e seu perfume são mutuamente inseparáveis, e o fogo e o seu calor não podem ser separados um do outro. (BHAKTIVINODA, 2010, p. 405-406)
Em termos de tattva (verdade filosófica), bhagavan Sri Krishna é superior a Radha, pois Ele é o adi-purusha, ou a Pessoa original, mas, em termos de lila (as aventuras transcendentais do mundo espiritual), Radhika é superior, chegando às vezes até a controlar e a castigar Krishna, o controlador supremo, como observamos na canção de Jayadeva Gosvami, ou na seguinte citação de Srila Prabhupada:
Srila Rupa Gosvami declara que o serviço devocional atrai até o próprio Krishna. Krishna atrai todo o mundo, mas o serviço devocional atrai Krishna. O símbolo do serviço de­vocional do mais alto grau é Radharani. Krishna é chamado Madana-mohana, que significa que Ele é tão atrativo que pode derrotar a atração de milhares de Cupidos. Mas Radharani é ainda mais atrativa, pois é capaz de atrair até mesmo Krishna. Por isso, os devotos chamam-nA de Madana-mohana-mohani, “Aquela que atrai Aquele que atrai o Cupido”. (PRABHUPADA, 2012, p. 59)
É dito que Srimati Radharani aparece depois de Krishna, no reino de Varshana, próximo à residência de Nanda Maharaja, Nanda Gram, como a filha do rei Vrishabhanu e de mãe Kirtida. Uma princesa, fonte de todo amor e doadora do serviço devocional, aquela que outorga bhakti e ocupa as entidades vivas em tal serviço amoroso, ou seja, a guru, a mestre espiritual no mundo supramundano, como explica Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati:
As almas individuais encontram-se sob a direção de Nityananda. Recebem de Suas mãos seu serviço a Sri Gaurasundara, ou seja, seu serviço a Krishna. Nityananda não é um jiva. O jiva é uma potência de Nityananda. Nenhum jiva pode converter-se no meio do serviço ao Absoluto para outro jiva. Somente o Absoluto pode comunicar Seu serviço aos constituintes separados de Si mesmo. Essa é a verdadeira função do guru.
Mas Nityananda não instrui diretamente no serviço confidencial a Krishna; Srimati Radhika é o gurudo círculo íntimo do serviço a Krishna. Entretanto, Srimati Radhika só aceita a oferenda de serviço daquelas almas que foram favorecidas de maneira especial por Nityananda, as quais Ele considera adequadas para realizar serviço a Ela. (NITYANANDA CHARITAMRITA, 2000, p. 11-12)
Sendo Radharani a rainha de toda auspiciosidade e de todo amor, como seria esse amor na prática? Afinal, um dos grandes infortúnios de nosso mundo atual é o fato de estarmos encobertos por uma cegueira quase completa sobre muitos temas, inclusive o que seria o amor.
Como seria o tão abordado e glorificado pelas escrituras, amor de Srimati Radharani? Será que se trata de mais uma expressão abstrata e ininteligível, ou algo palpável e inerente a todos os seres de forma universal?
A onisciente Suprema Personalidade de Deus, o Senhor Krishna, de tudo sabe, porém, por Este não conseguir sondar os sentimentos mais profundos de Srimati Radharani e Seu amor inigualável, Krishna vem a este mundo a fim de experimentá-los sob a forma de Sri Chaitanya Mahaprabhu.
Certa vez, absorto nos sentimentos e no humor de Radhika, Chaitanya Mahaprabhu simula uma conversa entre Suas amigas (sakhis), na qual confessa que Krishna Se tornava indiferente para com Ela simplesmente para por em prova Seu amor, e Suas amigas replicavam que era melhor não fazer caso (Chaitanya-charitamritaAntya 20.42). Nesse momento, tomado por diversas emoções extáticas, Ele (ou Ela) recita a seguinte sequência de versos.
na gani apana-duhkha,     sabe vanchi tanra sukha,tanra sukha—amara tatparyamore yadi diya duhkha,     tanra haila maha-sukha,sei duhkha—mora sukha-varya 
“Não Me preocupa Meu próprio sofrimento. Só desejo a felicidade de Krishna, pois Sua felicidade é o objetivo de Minha vida. Entretanto, se Ele Se sente muito feliz por Me fazer sofrer, esse sofrimento é Minha maior felicidade”. (Chaitanya-charitamritaAntya 20.52)
ye narire vanche krishna,     tara rupe satrsna,tare na pana haya duhkhimui tara paya padi’,     lana yana hate dhari’,krida karana tanre karon sukhi 
“Se Krishna, atraído pela beleza de alguma outra mulher, quer desfrutar com ela, mas está infeliz por não conseguir obtê-la, caio aos pés dela, pego sua mão e a levo até Krishna para empregá-la na felicidade dEle”. (Chaitanya-charitamrita, Antya 20.53)
ye gopi mora kare dvese,     krishnera kare santose,krishna yare kare abhilasamui tara ghare yana,     tare sevon dasi hana,tabe mora sukhera ullasa 
“Se uma gopi, sentindo inveja de Mim, satisfaz Krishna, e Krishna a deseja, não hesitarei em ir à casa dela e tornar-Me sua criada, pois só assim Minha felicidade despontará”. (Chaitanya-charitamrita,Antya 20.56)
mora sukha—sevane,     krishnera sukha—sangame,ataeva deha dena danakrishna more ‘kanta’ kari’,     kahe more ‘praneshvari’,mora haya ‘dasi’-abhimana 
“Minha felicidade está no serviço a Krishna, e a felicidade de Krishna está na união coMigo. Por essa razão, dou Meu corpo em caridade aos pés de lótus de Krishna, que Me aceita como Sua amada e Me chama de Sua queridíssima. É então que Me considero como Sua criada”. (Chaitanya-charitamrita, Antya 20.59)
Estes esplêndidos slokas compilados por Srila Krishna Dasa Kaviraja expõem de maneira precisa e pragmática as nuances e a atitude do mais elevado grau de amor em toda a existência, o maha-prema experimentado por Radha com relação a Krishna. Sentimentos tão profundos e transcendentais que até o próprio Krishna vem como Chaitanya Mahaprabhu para poder prová-los, pois, mesmo para Ele, em toda a Sua onisciência e onipenetrância, eram insondáveis.
As bases do que é realmente o amor são plantadas nestes versos, tratando-se de um sentimento que se desemboca em uma atitude totalmente livre de egoísmo e máculas materiais, o sentimento puro e genuíno da alma de servir e dar prazer sem esperar absolutamente nada em troca. Lembrando que a própria Srimati Radharani é a origem desse elemento que constitui a essência mais nobre de toda a realidade, tanto espiritual quanto material.
Sri Radhika é a deusa de todo amor e devoção, não só isso, Ela também está na mesma categoria da divindade suprema; portanto, quando falamos Deus, ou o conceito mais íntimo e profundo de Verdade Absoluta dentro dos Vedas, referimo-nos a Sri Sri Radha e Krishna, energia e energético, masculino e feminino. Como cantou Pepeu Gomes devido às boas influências que ditaram no mundo alternativo em meados dos anos 70: “Ser um homem feminino Não fere o meu lado masculino Se Deus é menina e menino Sou masculino e feminino…”.
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